Trouxeram a Jesus “um surdo que mal podia falar” (Mc 7,32), um surdo-quase-mudo que, na sua surdez-quase-mudez, só se podia ouvir a si próprio.
Os amigos pediram que lhe impusesse as mãos. Intercederam por ele. Jesus ouve-os mas faz muito mais do que aquilo que lhe pedem.
Como sempre, surpreende-nos com a sua generosidade e a abundância do seu amor, traduzida em gestos concretos de acolhimento digno e respeitoso da pessoa humana.
Primeiro, “afasta-se com ele da multidão” (Cf. Mc 7,33), para lhe dar toda a atenção possível, longe do ruído e dos ‘holofotes’. E afastam-se porque, para Jesus, não se trata de fazer uma cura rápida e seguir em frente. Ele sabe como a atenção e o interesse melhoram a escuta. E o surdo-quase-mudo é mais do que a sua condição de doente, é uma pessoa, a ser acolhida e respeitada, sem barulhos nem olhares curiosos. É Ele e ele. Ele e eu. Eu e tu. Olhos nos olhos. Longe da confusão.
O que é íntimo exige intimidade. “Meteu-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua” (Mc 7,33). O toque de Jesus antecipa esse sopro divino que cura toda a surdez e mudez. Cura para ouvir coisa que valha a pena, cura para falar coisa que se entenda, cura para sair do isolamento e solidão e ser capaz de escutar e falar com os outros, relacionar-se e construir comunidade, para viver uma vida plena, aberta à vida, aberta aos outros e aberta a Deus.
Effathá, diz Jesus, que quer dizer ‘Abre-te’. Effathá! Todos o escutamos no dia do nosso batismo.
Abre-te à vida. Sê um homem novo! Sê uma mulher nova! Sê um velho novo! Abre-te a uma vida fora de ti, ao encontro do outro. Acolhe-o. Escuta-o. Ama-o.
Abre-te à palavra de Jesus, que guia e salva, à sua vida tão humana e tão divina. Imita-o! Não sejas um discípulo surdo ou sempre a dizer disparates. E olha para a vida do teu irmão com a mesma devoção com que ergues os olhos ao Céu.
Abre-te àquilo que dá sentido e nos faz ser – não objetos – mas humanidade, esse horizonte de infinito, que atrai quem não se contenta com o imediato e supérfluo, ou quem não está demasiado ocupado a gravar danças e desafios para o TikTok.
Abre-te à amizade, como a daqueles que levaram o surdo-quase-mudo até Jesus. Também tu o podes fazer, escutando as ânsias mais profundas do coração dos teus amigos, levando-os a Jesus, rezando por eles.
Abre-te à defesa e integração dos mais frágeis, das pessoas portadoras de deficiência, dos doentes, dos migrantes e refugiados, dos que professam outras religiões, e dá voz aos que não têm voz.
Abre-te ao acolhimento de todos, sem “fazer acepção de pessoas” (Cf. Tg 2,1-5), sem criar categorias que dividem e impedem o verdadeiro encontro. Ao invés, vê as incursões que o Mestre faz em territórios pagãos (Cf. Mc 7,31), de gente desconhecida e cultura tão diferente; não importa se são ricos ou pobres, feios ou bonitos, bons ou maus. Importa, isso sim, a sua condição pessoal, que só quem escuta – e não quem julga – pode entender. Acaso Deus constituiu-nos juízes uns dos outros? Não!
Há dias li uma história contada pelo Provincial dos Jesuítas da Colômbia (H. R. Osorio, S.J.), onde ele dizia que em tempos houve um spot publicitário que passou nas televisões chilenas e que apresentava um mendigo sujo e esfarrapado, sentado no chão de uma rua movimentada, a pedir esmola. Pedia esmola a quem passava mas quase todos o ignoravam. Mas eis que surge uma jovem belíssima, atraente, muito bem vestida, que se aproxima dele e o beija na boca de forma apaixonada, deixando todos quantos passavam por ali naquele momento aterrados e enojados diante de tal gesto.
Depois de alguns segundos, aparecia um aviso que dizia: “Não te pedimos tanto. Simplesmente que o trates como um ser humano...”
Talvez não possamos curar o surdo-quase-mudo do mesmo modo que Jesus. Mas Deus também não nos pede tanto. Basta que escutemos e tratemos a todos como seres humanos… sem julgar.
É essa, também, a missão da Igreja, por isso,
Effathá! Abre-te Igreja, tantas vezes surda e muda, ensimesmada em sacristias empoeiradas, onde se fala muito e escuta pouco, olvidando que, por alguma razão, temos dois ouvidos e uma só boca. Ouve o grito dos pobres e o grito da terra. Pára para escutar e, então, sê voz! Anuncia o Evangelho da Vida! Anuncia com vigor e alegria o Evangelho de Jesus. E depois foge! Sim, como Jesus, foge a ‘7 pés’ dos aplausos e holofotes, remetendo-te novamente ao silêncio.
E é essa também a tua missão, e a minha, por isso,
Effathá, irmã! Abre-te, irmão! Abre-te e aceita a tua imperfeição e fragilidade; ela também tem algo de belo, porque, juntamente com os teus dons, formam uma identidade pessoal única e irrepetível.
Abre-te e aceita que és muito mais do que aquela foto de perfil retocada no Photoshop.
Abre-te e perdoa a tua história pessoal e da tua família, por vezes marcada pelo fracasso, pela perda, ou pela dor.
Nem sempre tudo corre como gostaríamos. Nem sempre concretizamos todos os nossos sonhos. Nem sempre, nem sempre,...
mas o Espírito de Cristo faz-nos nova humanidade! E este é o nosso tempo!
Por isso abre-te a Deus e não temas. “O Senhor levanta os abatidos” (Salmo 146,8a). Tem coragem! “Aí está o vosso Deus; […] Ele próprio vem salvar-nos” (Cf. Is 35,4)
Leituras:
LEITURAS: 1ª: Is 35,4-7a. Salmo 146/145,7.8-9a.9bc- -10. R/ Ó minha alma, louva o Senhor. 2ª: Tg 2,1-5. Evº: Mc 7,31-37. III Semana do Saltério.