No esplendor do Tempo da Criação, que se iniciou desde o dia 1 de setembro, e termina a 4 de outubro, dia da Solenidade de São Francisco de Assis, somos chamados a celebrar a beleza do mundo que Deus nos confiou. No entanto, este ano, e, sobretudo, no mês de setembro, que agora terminou as chamas que devastaram as nossas florestas e muitas casas forçam-nos a confrontar uma realidade sombria. Portugal, no meio dos incêndios que consumiram a vida e a esperança, parece clamar por socorro, enquanto a natureza, que deveria ser um testemunho da criação divina, transforma-se em cinzas.
Na sua encíclica "Laudato Si'", o nosso querido Papa Francisco adverte-nos que «a Terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo.» (LS 21) É nesse contexto que as chamas se tornam um grito da criação, uma súplica por atenção e cuidado. Não podemos ignorar que a devastação das florestas é um retrato da nossa própria negligência, um eco de um sistema que prioriza o lucro à vida. Em vez de sermos guardiães da nossa Mãe Terra, tornamo-nos seus agressores, comprometendo o futuro das próximas gerações.
As florestas que ardem debaixo de altas temperaturas, de ventos por vezes fortes e de “mão criminosa” para além de serem um aviso, são um espetáculo sem fim, chamar-lhe-ia de inferno trágico. O calor extremo e a seca, acentuados pelas mudanças climáticas, tornaram-se aliados das chamas. «As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, económicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade.» (LS 25)
Todavia, enquanto as chamas consomem o que nos é mais precioso, muitos parecem esquecer a urgência deste grito. A memória das promessas feitas na tranquilidade e no défice de medidas concretas parece que só produz efeito, se é que produz, quando a desgraça se abate.
É irónico, e doloroso, que muitos oficiais a quem chamam políticos só se lembrem dos nossos bombeiros e da necessidade de um plano eficaz de combate aos incêndios quando as chamas invadem. Quando as florestas queimam, e as vidas das pessoas estão em causa, o discurso torna-se uma repercussão vazia, uma retórica que não alimenta a ação. A Laudato Si diz explicitamente que é preciso mudar a mentalidade, e adotar uma postura de cuidado e respeito pela criação. Francisco de Assis ensina-nos que ao cuidarmos e ao respeitarmos a Criação estamos a respeitar e a cuidar da pessoa humana.
Neste Tempo da Criação, somos chamados à contemplação. Que possamos, como comunidade, unir as nossas vozes e esforços em defesa do Planeta Terra.
Quando olhamos para as chamas que consomem as nossas florestas, devemos também olhar para dentro de nós mesmos. Que as nossas lágrimas se transformem num compromisso renovado, e se convertam em ações concretas. Que a tristeza pela perda das nossas florestas se transforme em determinação para restaurar o que foi destruído e proteger o que ainda resta. Que possamos, também, unir-nos por meio da oração, a todos aqueles que partiram para junto do Criador e neste abraço fraterno a todos os seus familiares e amigos que estão de luto e sofrem a sua partida.
Assim, ao olharmos para as cinzas, que devastaram o nosso país, aprendamos a oportunidade de cuidarmos com amor da nossa casa comum.
Ó Senhor, nosso Deus,
nós Te louvamos pela Tua Criação tão bela e diversificada.
Em cada árvore que se ergue ao céu,
em cada animal que habita ao nosso redor,
encontramos o Teu amor e a Tua presença.
Perdoa-nos, Senhor, por termos negligenciado
a Terra que nos confiaste,
deixando que as chamas da destruição
consumissem o que é sagrado.
Dá-nos coragem para agir,
para proteger o que ainda resta,
e para restaurar o que foi perdido.
Que, como São Francisco,
possamos ver a Tua face na Criação,
e que as nossas ações reflitam
o cuidado e o respeito que devemos
à casa que habitamos.
Inspirados pelo Cântico das Criaturas,
que possamos unir-nos em oração e com o coração,
no cuidado das nossas florestas,
defendendo a vida que nelas habita,
e na busca de um mundo onde
o louvor a Ti ressoe em cada canto da natureza.
Amen.
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