No mesmo dia em que os Capuchinhos portugueses celebram dezoito anos de presença na Internet, o Papa Francisco disse, no Vaticano, que a Igreja Católica deve promover uma “resposta adequada” no campo da comunicação aos desafios que são hoje colocados pelo mundo multimédia.

Vivemos num tempo, afirmou o Papa, em que “largas faixas da humanidade vivem mergulhadas [no ambiente digital] de maneira ordinária e contínua”. O sumo pontífice aludiu ainda ao trabalho do recém-criado Dicastério para a Comunicação que deverá procurar harmonizar os diferentes serviços de comunicação da Santa Sé. E acrescentou:

“Já não se trata apenas de ‘usar’ instrumentos de comunicação, mas de viver numa cultura amplamente digitalizada que tem impactos muito profundos na noção de tempo e espaço, na perceção de si mesmo, dos outros e do mundo, na maneira de comunicar, aprender, obter informações, entrar em relação com os outros”.

Ao longo de dezoito anos, a presença dos Capuchinhos portugueses na internet materializou-se nas redes sociais, mas focou-se, sobretudo, na página www.capuchinhos.org, onde foram sendo publicados diversos conteúdos relacionados, principalmente, com os empenhos fraternos e apostólicos dos Capuchinhos.

E agora, que futuro? A Web 4.0 está aí! Vamos tentar perceber o que é e que implicações e desafios traz à Igreja.

 

O que é a Web 4.0?

A Web 4.0 é já hoje uma realidade e acaba por ser uma evolução ‘natural’ da tendência crescente de uma interligação permanente de pessoas, informação e objetos. Apesar da Web 3.0 estar ainda muito dependente do uso de motores de busca para acesso a ‘históricos’, já se torna cada vez mais comum o uso de algoritmos para reunir informações e fazer recomendações aos usuários (automação de marketing dirigido), o que denota uma evolução do paradigma.

A Web 4.0 integra a Inteligência Artificial (IA) no nosso quotidiano de forma simbiótica, isto é, permitindo uma interação constante entre humanos e máquinas.

O novo paradigma – que sabemos ser uma questão de tempo até dar lugar a outro, conforme a tecnologia o permitir ou a necessidade dos utilizadores o exigirem – implica uma ligação permanente à rede, em qualquer lugar, a vivência da mobilidade como nunca havia sido experimentada. Garante o acesso imediato à informação com uma interconexão entre os diferentes equipamentos e objetos: assistentes pessoais automatizados, smartphones, wearables, equipamentos audiovisuais, interrutores, estores, a máquina de café, etc. Uma das grandes novidades, relativamente às anteriores, é que não se trata apenas de recorrer a informação armazenada para nos relacionarmos com ela, os outros e os objetos mas também a capacidade de, recorrendo à Inteligência Artificial, oferecer sugestões baseadas em informações em tempo real.

Na verdade, a internet das coisas (internet of things), dispensa em muitos casos a manipulação ou envolvimento humano. Por exemplo, através de sensores de luz e temperatura, um sistema decide se abre ou fecha os estores de um edifício para o aproveitamento de luz e a manutenção de uma temperatura agradável. Já há também no mercado frigoríficos que, usando a tecnologia RFID, enviam uma notificação ao utilizador informando-o que o leite está a acabar. São inúmeros os exemplos de aplicação que poderíamos dar.

O benefício da internet of things e da Web 4.0 é imenso. As marcas têm aqui uma oportunidade de relacionamento de sucesso com os consumidores. Mas dela beneficiarão apenas as pessoas, as empresas, as fábricas, os escritórios, as lojas e as instituições que souberem tirar proveito das possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias.

Também a Igreja tem aqui uma oportunidade formidável de não ficar à margem da ‘rede’, 'mapeando' o seu património e acrescentando-lhe camadas de informação que podem ser ‘lidas’ com recurso à realidade aumentada (augmented reality), novos métodos pedagógicos, que recorram às novas tecnologias, para oferecer ao povo de Deus oportunidades de formação cristã adaptadas a um estilo de vida em permanente mobilidade, novas formas interativas de ‘catequese’, novas formas de os ‘pastores’ interagirem e comunicarem com os fiéis, etc.

 

E quem não se adaptar?

As empresas e instituições que não se conseguirem adaptar vão ter sérias dificuldades em sobreviver. A oferta de emprego ‘tradicional’ está já a diminuir acentuadamente, exigindo-se novas competências aos profissionais nas diversas áreas que antes não eram nem podiam ser exigidas por se tratar de novas tecnologias e novas formas de trabalhar.

Aumenta, desse modo, também, a infoexclusão, sobretudo nas gerações mais velhas que nem sempre conseguem adaptar-se às mudanças tecnológicas, que se sucedem em ciclos de tempo cada vez mais curtos.

Isso será particularmente relevante no caso das nossas paróquias e comunidades religiosas. Com ‘pastores’ e uma população cada vez mais idosa, que amiúde usam a internet apenas na ótica do utilizador, isso trás eventuais benefícios aos próprios, mas o potencial da Web 4.0 dificilmente é colocado ao serviço da evangelização. Isso explica porque tantas paróquias e comunidades cristãs não têm um plano de comunicação: simplesmente porque os seus responsáveis na maioria dos casos não têm conhecimentos nem aptidões técnicas para o fazer ou ainda não perceberam que a internet já não é apenas um veículo de transmissão de conteúdos mas é um mundo que a Igreja precisa e quer também habitar e que carece do anúncio do Evangelho.

Consciente dessa dificuldade, D. João Lavrador, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, afirmou hoje que os jovens devem ter um “protagonismo ativo” na evangelização no contexto de uma “nova cultura emergente enraizada no digital e tecida nas redes sociais”.

 

Uma missão confiada aos jovens

Assim, um projeto de comunicação de uma comunidade cristã, deverá necessariamente contar com os jovens no seu planeamento e execução. Os jovens são, na sua maioria, aquilo que designamos de ‘geração nativa’, o que quer dizer que não contactaram pela primeira vez com as novas tecnologias já em idade adulta, mas que, desde tenra idade, passaram grande parte do seu tempo online.

Talvez não possuam grandes conhecimentos de doutrina cristã ou de liturgia mas sabem como a transmitir no mundo digital que é o mundo onde passam mais tempo e do qual já dificilmente se desligam por umas horas.

E os jovens formandos que frequentam os seminários e comunidades religiosas, deveriam estudar linguagens de programação e níveis avançados de informática e comunicação no mundo digital para serem capazes de perceber as 'janelas de oportunidade' que se abrem à evangelização.

 

Mas há riscos e desafios

Juntamente com as suas potencialidades, a Web 4.0, traz também vários desafios e riscos, de que destaco dois:

1) Estar permanentemente ligado. Embora estar sempre ligado seja visto por muitas pessoas como algo de positivo, isso comporta imensos riscos a vários níveis. Primeiro a nível da saúde porque torna difícil o descanso que exige estar ‘desligado’ durante um número razoável de horas. Depois a nível cognitivo e de processamento da informação porque estamos permanentemente a ser ‘bombardeados’ com novas informações que raramente são devidamente processadas, isto é, colocadas em relação com outras adquiridas previamente. Também a nível relacional... é fácil ver como várias pessoas por vezes estão juntas num café ou em casa mas relacionando-se com o smartphone e não interagindo com quem está à sua frente ou ao seu lado. Também a nível laboral, as entidades empregadoras acabam por exigir muitas vezes a resposta imediata a emails, não respeitando o descanso e lazer dos trabalhadores.

2) A Privacidade. Estar sempre ligado, ‘a tudo e a todos’, coloca em risco a privacidade dos utilizadores. Por opção do próprio utilizador que, por exemplo, escolhe receber publicidade dirigida ou simplesmente por ignorar os riscos. Qualquer serviço, site ou objeto ligado à internet que usemos pode indicar a um ou mais servidores que o IP X (internet protocol) acedeu àquele site ou serviço, o local a partir do qual acedeu e, em muitos casos, associar essa informação a um nome, idade, contato, etc. O bom senso e o uso de um serviço de VPN (virtual private network), que não guarde qualquer log (registo) nos seus servidores, são meio caminho andado para um uso consciente e seguro.

Como podemos ver, a Web 4.0, vem cheia de potencialidades e desafios. A formação dos utilizadores e o bom senso ditarão uma relação saudável entre ambos. E a coragem de envolver os jovens no planeamento dos planos de comunicação ditará o sucesso da presença da Igreja no mundo digital.

 

Capuchinhos 4.0?

Em 2020, esperamos poder oferecer algumas novidades mas talvez ainda não possamos aproveitar, verdadeiramente, os beneficíos da Web 4.0. Uma coisa é certa: move-nos a paixão por Jesus Cristo e o anúncio do seu Evangelho, dentro da tradição espiritual franciscana. Por isso, tudo quanto facilite esse anúncio e a comunicação com o povo de Deus, terá sempre de estar em 'cima da mesa' ou à distância de um 'clique'.