Em terras 'pobres e atrasadas', ainda há quem viva de abraços, festa,
lágrimas e partilha.
Esta semana, terminamos a nossa peregrinação pelas paróquias da diocese de Bragança-Miranda. No total, foram 22 dias na estrada, a maior parte deles numa autocaravana, onde dormimos, cozinhamos, rezamos e partilhamos a vida e a vocação. O primeiro objetivo era esse mesmo, consolidar os laços que nos unem. Embora nos conhecêssemos há muitos anos de Timor-Leste, o contexto diferente em que hoje somos chamados a viver a nossa consagração exigia uma experiência que fortalecesse a nossa comunidade, o que é impossível em frente a uma televisão e enterrados num sofá. Costuma dizer-se «se queres realmente conhecer uma pessoa, vai acampar com ela!»
O segundo objetivo era divulgar o Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, e a Carta Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, o que foi conseguido. Foram distribuídas, pessoalmente, milhares de pagelas com a oração, também conhecida como Cântico do Irmão Sol, e cópias da mensagem do Papa Leão XIV para o X Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação. No fundo da folha colocamos dois qr-code com a ligação para a encíclica Laudato Si’ e para um dossiê sobre o Tempo da Criação na página dos Capuchinhos na internet.
Mas, o que de melhor e mais importante alcançamos, foi a oportunidade de mostrar que há múltiplos sinais de esperança na vida das pessoas e das aldeias da nossa diocese. Contra uma visão que tende a fazer das pessoas que habitam no interior uns coitadinhos, nos encontros e diálogos que mantivemos, procuramos valorizar quanto de maravilhoso Trás-os-Montes tem para oferecer: as pessoas, a cultura, a fé, uma identidade muito própria e o contato com a natureza.
E, também na Igreja, são muitos os sacerdotes, os religiosos e os leigos que fazem dessas paróquias comunidades vivas, dinâmicas, onde dá gosto celebrar a vida e sentido celebrar a morte. Com quantas zeladoras, catequistas, mordomas(os), membros das comissões fabriqueiras tivemos a graça de nos cruzarmos… Louvado sejas, Senhor, por todos estes irmãos e irmãs que nos destes ao longo destas semanas!
29 de setembro, segunda-feira
O décimo oitavo dia deveria ser dedicado às paróquias da Unidade Pastoral Divino Espírito Santo, mas, como tal não foi possível, dedicamo-nos à preparação de uma formação sobre São Francisco, dirigida às crianças que frequentam o primeiro ciclo do ensino básico no Colégio Nossa Senhora do Amparo, em Mirandela, e que se realizou às 21h00. Entre crianças e pais estariam umas 150 pessoas, num encontro que se revelou muito dinâmico e, esperamos, proveitoso para miúdos e graúdos conhecerem melhor o Poverello de Assis. Bem hajam as Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado (SFRJS) que fazem deste espaço, como está expresso no seu lema, um espaço de amor.
01 de outubro, quarta-feira
O dia 30 de setembro deveria ter sido dedicado a algumas paróquias da Unidade Pastoral Senhora do Amparo, mas, como tal não foi possível, aproveitamos o dia para preparar alguns materiais. Assim, este décimo nono dia, de manhã, foi dedicado às paróquias daquela unidade pastoral que estão confiadas ao Pe. Damião de Melo: Suçães (Nossa Senhora da Assunção), Carvalhais (Espírito Santo), Mascarenhas (Nossa Senhora da Assunção), Alvites (São Vicente), Avantos (Santo André), Cedães (Santo Ildefonso) e Vale de Asnes (São Pedro).
O Pe. Damião, natural do Brasil e em Portugal para colaborar na resposta às necessidades pastorais da diocese, acompanhou-nos toda a manhã. Depois, almoçamos em casa de uma família de Vale de Asnes, que quis partilhar a mesa e a sua alegria com os missionários.
De tarde, visitamos quase todas as paróquias confiadas aos Salesianos: Caravelas (São Brás), Freixeda (Santo André), Vale da Sancha (São Gonçalo de Amarante), Frechas (São Miguel Arcanjo), São Salvador (Transfiguração do Senhor), Vila Verde (Santo Apolinário), Mirandela (São João Bosco). Só não conseguimos ir à paróquia de Cachão (Santo Isidro) pois a autocaravana era demasiado larga para o caminho que tomamos. Mas, em Caravelas e noutras paróquias, encontramos muitas pessoas e interiormente disponíveis para escutar a nossa mensagem e rezar connosco.
Às 19h00, na Igreja de São João Bosco, em Mirandela, concelebramos com os padres Salesianos. Pela segunda noite consecutiva, estacionamos a autocaravana nas traseiras do Colégio Nossa Senhora do Amparo, onde nunca nos faltou a generosidade das irmãs SFRJS.
Frades percorrem a pé as ruas da aldeia de Freixeda
02 de outubro, quinta-feira
Este foi o nosso vigésimo dia na estrada. O itinerário estava bem definido com o pároco, Pe. Tiago Alves: Vila Boa (Santa Maria Madalena), Franco (Nossa Senhora da Expectação), Lamas de Orelhão (Santa Cruz), Avidagos (São Miguel), Pereira (São Pelágio), Navalho (Nossa Senhora da Purificação), Barcel (São Ciríaco), Valverde da Gestosa (Nossa Senhora da Expectação), Marmelos (São Gens), Cobro (São Sebastião), Passos (Nossa Senhora das Graças), Mirandela (São Bento).
Dom Nuno Almeida juntou-se a nós logo em Vila Boa. O povo, reunido no exterior da Capela de Santo António, recebeu-nos como se de uma Visita Pastoral se tratasse, com grande alegria. Pouco depois, o nosso bispo, sentou-se no lugar do ‘copiloto’ e continuamos a nossa viagem pelas aldeias confiadas ao Pe. Tiago, um jovem sacerdote, que sabe conjugar uma pastoral capaz de enraizar a fé com uma pastoral missionária. A sua abertura à iniciativa e a procura em preparar devidamente as suas comunidades e em incentivá-las a mostrar à nossa passagem os sinais franciscanos de que também se cozem deixaram-nos muito edificados.
Em Rego de Vide (paróquia de Cobro), detivemo-nos no largo da aldeia antes de entrarmos na Capela de Santa Ana. Os bancos compridos em granito convidam a que ninguém deixe de se sentar um pouco para um tempo de convívio. Uma senhora confidenciou que, ao ver a autocaravana chegar, pensou tratar-se da carrinha do ‘peixeiro’, por isso correu a casa para ir buscar dinheiro para umas sardinhas. Sentei-me com o Sr. José Vicente num dos bancos e logo muitos nos rodearam com um sorriso rasgado. Perguntei se era propriedade de algum deles a pequena casa em pedra que ali estava a ser restaurada. Responderam que foi comprada pela Junta de Freguesia para acolher quem por ali passar e precisar de pernoitar ou simplesmente descansar um pouco.
Diz-se que gente desta já não existe? Existe sim! Naquelas terras que muitos consideram pobres e atrasadas, há gente que vive, não de aparências ou likes no Facebook, mas de encontros, de abraços nos momentos bons e maus, de festa e de lágrimas, de partilha. Ainda há gente que vive da irmã terra, com os pés bem assentes no chão, sem precisar de comprar as ilusões de quem vive com a cabeça na lua e que sonha com um mundo que, afinal, está aqui, bem vivo, como o louvor a Deus Criador que irrompe dos nossos corações. Ainda bem que uma equipa de reportagem da Agência Ecclesia passou o dia connosco, para poder testemunhar, em primeira mão, quanto aqui escrevo.
Antes do encontro com a Comunidade Paroquial de São Bento (Mirandela), o Pe. Tiago, levou-nos a provar alguns petiscos da região: pão, azeitonas, queijo, moelas, enchidos, omelete de espargos, entre outros, acompanhados de um vinho tinto de Trás-os-Montes.
Na Igreja de São Bento, aguardava-nos uma belíssima decoração em frente ao altar, com um Tau, a expressão «Paz e Bem!», símbolos franciscanos, e a forma de uns pés, leves e livres, como os de Nª Sª da Visitação, que nos inspira e acompanha todos os dias. Mas, juntamente com a decoração, uma ainda mais bonita moldura humana, apesar da hora e de ser dia de semana. Com as crianças que ali estavam, foi possível improvisar uma representação da história do lobo de Gúbio.
Decoração na Igreja de São Bento, em Mirandela
03 de outubro, sexta-feira
O vigésimo primeiro dia foi dedicado apenas à paróquia de Santa Maria, em Bragança. Concelebramos com o Pe. José Ribeiro, na Eucaristia das 18h00, na Igreja de Santo Condestável.
04 de outubro, sábado
O vigésimo segundo e último dia da Caravana de Esperança foi dedicado à celebração da festa de São Francisco de Assis, primeiro em Bragança e, depois, em Argozelo.
Pelas 12h00, chegamos à Casa do Arco, a casa-mãe da Congregação das Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado, para um almoço festivo. À mesa, connosco, estavam dois jovens sírios, Muçulmanos, já muito bem integrados na sociedade e no mercado de trabalho. Esta partilha de vida mostra como o Espírito de Assis permanece vivo, senão em todas, ao menos em muitas das comunidades franciscanas espalhadas pelo mundo.
Às 15h00, celebramos a Santa Missa na Igreja de São Francisco, em Bragança e, às 20h00, na Igreja de São Frutuoso, em Argozelo, com um número muito bom de fiéis que nos acolheram nesta terra como parte das suas famílias.
Texto de Hermano Filipe e fotos de Hermenegildo Sarmento