Oração
1 Altíssimo, omnipotente, bom Senhor, a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
2 A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar e nenhum homem é digno de te nomear.
3 Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor irmão Sol, o qual faz o dia e por ele nos alumia.
4 E ele é belo e radiante, com grande esplendor: de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.
5 Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas: no céu as acendeste, claras, e preciosas, e belas.
6 Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão vento e pelo ar, e nuvens, e sereno, e todo o tempo, por quem dás às tuas criaturas o sustento.
7 Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água, que é tão útil, e humilde, e preciosa e casta.
8 Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo, pelo qual alumias a noite, e ele é belo e jucundo e robusto e forte.
9 Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa, e produz variados frutos, com flores coloridas, e verduras.
10 Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor e suportam enfermidades e tribulações.
11 Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz, pois por ti, Altíssimo, serão coroados.
12 Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a morte corporal, à qual nenhum homem vivente pode escapar.
13 Ai daqueles que morrem em pecado mortal! Bem-aventurados aqueles que cumpriram tua santíssima vontade, porque a segunda morte não lhes fará mal.
14 Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-lhe graças e servi-o com grande humildade.
Introdução
O Cântico das Criaturas ou do Irmão Sol não precisa de apresentação. Pelo seu conteúdo e forma poética, escrito no dialecto da Úmbria, faz parte da literatura mundial. Qualquer comentário não faria senão empobrecer a fulgurante riqueza desta oração-poema. Da sua autenticidade nunca ninguém duvidou, atestada que vem por Celano[1] e pela tradição manuscrita.
Mas talvez não seja inútil uma palavra sobre a sua origem. Diz o códice 338 da Biblioteca Comunal de Assis: «Começam os louvores das Criaturas, que o bem-aventurado Francisco compôs, para louvor e honra de Deus, quando estava doente em S. Damião». Foi, pois, no meio dum sofrimento enorme, entre a estigmatização e a morte, que da alma de Francisco brotou este convite jubilante a todas as criaturas para louvarem o Senhor. Como acertadamente compara Celano, é deveras um novo «cântico dos três jovens na fornalha ardente». A fornalha ardente dos seus padecimentos. A Legenda Perusina descreve com pormenor esses tormentos[2].
Mais uma palavra sobre alguns traços principais. Em primeiro lugar a expressão «mi Signore». É repetida nove vezes. O seu Senhor é de facto o centro e o objecto de todo o cântico. E que encanto comovedor naquele pronome «mi», «Mi Signore»! – Depois o sentimento de fraternidade. Convidar as criaturas a louvar o Criador é tema comum nos salmos. Original o chamar-lhes enternecidamente irmãs. Outra nota: a presença de Cristo. Todo o cântico é um vibrar de gratidão. A grandeza, porém, dessa gratidão não resulta só dos benefícios que as criaturas proporcionam ao homem, mas do facto de sobre elas se projectar o fulgor do dom maior que Deus nos fez: o dom de Seu próprio Filho. Outra nota ainda: o realismo optimista que ilumina todas as criaturas. Estas são preciosas e belas, não em virtude de qualquer simbolismo misterioso, mas simplesmente serem o que são: sol, estrelas, água, terra, fogo, etc. Finalmente o perdão. O perdão é a forma de amor indispensável.
O Cântico das Criaturas não foi só um eflúvio de poesia. Teve também uma intenção apostólica. «Foi o sermão novo que o Santo mandou a seus frades pregar pelo mundo inteiro, a conquistá-lo para o amor de Deus»[3]. À parte as duas últimas estrofes, acrescentadas mais tarde, nos últimos dias do Santo, o cântico teria sido composto no inverno de 1224-1225[4].
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[1] 2C 213 e 217. Cf. LP 43.
[2] LP 43.
[3] FÉLIX LOPES, o.c., p. 139.
[4] Anteriores versões portuguesas em: FR. MARCOS DE LISBOA, o.c., liv. 2º c. 92; JÚLIO EDUARDO DOS SANTOS, o.c., p. 136; FÉLIX LOPES, o.c., p. 139 s.. Ver também as versões feitas no Brasil. A revista Selecciones de Franciscanismo dedicou um número especial, n. 13-14 (1976), ao Cântico do Irmão Sol, no qual recolheu os melhores estudos aparecidos sobre ele no 750º aniversário da sua composição. Comentário ao mesmo tempo profundo e formoso, é o livrinho Cântico das Fontes de ELOI LECLERC, editado em versão portuguesa, trad. de DAVID ANTUNES, pela Ed. Franciscana, Braga, 1978. Estudo mais científico: ELOI LECLERC, Le Cantique des Créatures ou les symboles de l’union, Paris, Fayard, 1970, p. 282.
Tradução: Editorial Franciscana