S. Francisco de Assis com os seus frades reunidos em Capítulo de Pentecostes em 1219 decidiram a organização de uma grande expedição missionária. S. Francisco partiu com um grupo para o Oriente e outro grupo partiu para Espanha a fim de pregar o Evangelho aos maometanos. Aqui foram presos e enviados para Marrocos onde morreram a 16 de Janeiro de 1220: Berardo, Otão (sacerdotes), Pedro (Diácono), Acúrsio e Adjuto (Leigos).
O martírio era de facto o grande desejo destes pobres frades de fé irredutível. O Miramolim ainda os tentou com dinheiro e mulheres: «Convertei-vos â nossa fé, e dar-vos-hei estas mulheres para esposas e grande quantia de dinheiro, e sereis honrados aqui na nossa terra». Responderam: «por amor de Cristo tudo abandonámos». Não havia nada a fazer e o Miramolim dizia então que só a espada poderia calar aqueles homens decididos e firmes no que diziam. «Os nossos corpos miseráveis estão nas tuas mãos sob a tua autoridade, mas as nossas almas estão nas mãos de Deus».
Os cristão portugueses residentes em Marrocos conseguiram recolher clandestinamente os restos mortais, levaram-nos ao infante D. Pedro e este ordenou que fossem colocados em duas arcas e enviados para Portugal, onde foram recebidos triunfalmente.
O rei D. Afonso II, ao aperceber-se da chegada a Coimbra das arcas com os restos mortais, cuidou da recepção e devoção no convento de Santa Cruz, onde foram colocados em altar privilegiado e cultuados com muita devoção.
A evangelização, fama e devoção dos Mártires de Marrocos, para além de merecer a atenção do Reino e das entidades eclesiásticas, mobilizou fiéis e devotos, a ponto de Santa Cruz funcionar como epicentro do culto aos Mártires.
O CULTO AOS MÁRTIRES DE MARROCOS EM PORTUGAL
Em Santa Cruz emergiu a Confraria dos Invictos Santos Mártires de Marrocos, com centenas de confrades. A comunidade religiosa e civil consignou o dia 16 de Janeiro como dia santificado e feriado, por neste dia se efectuar a Procissão dos Nús, de bastante concurso de gente, iniciada no rocio de Santa Clara, junto ao Convento de S. Francisco da Ponte, e a terminar na igreja do mosteiro crúzio.
A Procissão dos Nús advém de um voto e promessa de um cidadão de Fala, arrabaldes da cidade em 1423. Aquando de uma epidemia de peste, prometeu o cidadão aos Mártires, no caso de cura dos filhos, todos os anos ir em procissão com os filhos nús de cintura para cima e joelhos para baixo rezar a Santa Cruz. O feito materializou-se e a devoção divulgou-se, verificaram-se muitas adesões e no século XVIII constituía uma das maiores procissões de Coimbra.
Associada a esta procissão, coexistiam em Fala duas outras tradições, que permanecem activas até finais do século XIX: a bênção dos campos (em Maio) e a volta da campainha da burra (a 16 de Janeiro), um pouco na senda do processado na paróquia de Santa Cruz e de cujos vestígios mora em Santa Cruz a campainha reformada.
Em Fala, em finais do século XX, a volta da Campaínha da Burra foi recuperada por acção do Grupo Regional de Danças e Cantares do Mondego, sediado em Fala (S. Martinho do Bispo - Coimbra), e cuja praxis consiste em percorrer as casas e sítios do lugar com uma burra ou mula carregando uma mala, símbolo da guarda das relíquias dos Santos, precedida de campaínha tangida a anunciar a chegada, um percurso acompanhado com músicas e cânticos alusivos à época, no caso as Janeiras.
Uma vez chegados às casas, o chefe de família toma a campaínha, coloca-a sobre a cabeça de cada um dos membros da família, pronunciando a seguinte frase: Em nome dos Santos Mártires de Marrocos, para que dêem juizinho até à hora da morte, respondendo os presentes Amem. Uma vez concluída esta função, recebida uma pequena esmola e tomado um aperitivo, o grupo e a burra continuam por outras casas e ruas do lugar.
Esta tradição, retomada em 1998, mantém-se viva em Fala, com os membros do Grupo trajados a rigor dando corpo a um dos maiores Bens Culturais ancestrais da região de Coimbra.
TRAVASSÔ E OS SANTOS MÁRTIRES DE MARROCOS
O culto e devoção aos Santos Mártires de Marrocos em Travassô (Águeda) contém vivências ancestrais, que remontam a um período muito anterior ao século XVII e que se mantém no século XXI. Hoje é um dos únicos locais em que os protomártires franciscanos são festejados, exceptuando as Fraternidades dos Franciscanos da I Ordem em Portugal, a Missa de Festa em Santa Cruz de Coimbra e a volta da Campainha da Burra em Fala - S. Martinho do Bispo, também em Coimbra.
A festa dos Santos Mártires que se celebra nesta Paróquia de São Miguel de Travassô nos dias 15 e 16 de Janeiro de cada ano congrega um elevado número de pessoas, desde turistas a romeiros e peregrinos. No dia 16 de Janeiro a Freguesia de Travassô quadruplica a população com estes peregrinos e romeiros oriundos um pouco de todo o lado.
A vida e testemunho dos Mártires de Marrocos estão na origem da vocação do primeiro franciscano português: Santo António de Lisboa.