Deus, como vemos João Paulo II mencionar na “Pastor dabos vobis”1 chama as pessoas ao sacerdócio desde certos contextos, quer eclesiais, quer humanos, para, depois, serem por Si enviados para proclamar o Evangelho do Reino, sendo que, conforme refere Paulo VI na Carta Encíclica “Sacerdotalis caelibatus”, no caso dos sacerdotes, religiosos ou seculares, «a correspondência à vocação divina é uma resposta de amor ao amor que Jesus Cristo nos mostrou de maneira sublime (cf. Jo. 3,16; 15,13); é mesmo a resposta coberta de mistério no amor particular pelas almas a quem Ele fez sentir os apelos mais instantes (cf. Mc. 10,21)».2
O, não obstante a chuva de documentos sobre o tema, ainda relevante decreto “Presbyterorum ordinis”,3 sobre o ministério da vida dos sacerdotes, refere que
«pelo sacramento da Ordem, os presbíteros são configurados com Cristo Sacerdote, como ministros da cabeça, para a construção e edificação do seu corpo, que é a Igreja, enquanto cooperadores da Ordem episcopal. Já pela consagração do Baptismo receberam, com os restantes fiéis, o sinal e o dom de tão insigne vocação e graça para que, mesmo na fraqueza humana, possam e devam alcançar a perfeição, segundo a palavra do Senhor: “Sede, pois, perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt. 5, 48)».4
Na vocação sacerdotal, «o padre deve assemelhar-se a Cristo»,5 e, por isso mesmo, «a vocação sacerdotal continuará a ser o chamamento a viver o único e permanente sacerdócio de Cristo. Mas é certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve “adaptar a cada época e a cada ambiente de vida”».6 Ainda no mesmo documento, é-nos dito que «os Apóstolos constituídos pelo Senhor associarão progressivamente à sua missão, de formas diversas, mas no fim convergentes, outros homens como Bispos, Presbíteros e Diáconos para cumprir o mandato de Jesus Ressuscitado que os enviou a todos os homens de todos os tempos».7 Isto pode parecer o somatório de poucas palavras, mas o que elas contêm é de uma riqueza extraordinária, pois vincula explicitamente a evangelização missionária de modo especial aos presbíteros. Talvez hoje já não seja assim, com tantos leigos missionários, mas trata-se de uma verdade que não pode ser esquecida.
A vocação à santidade também está, como é evidente, presente na vida do sacerdote, e por essa mesma razão, embora «o Concílio afirme, antes de mais, a vocação “comum” à santidade enquanto radicada no Baptismo, não deixa que se ignore que o presbítero é, antes de tudo, um “fiel”, um “irmão entre irmãos”, inserido e unido ao Povo de Deus, na alegria de partilhar os dons da salvação»8 a partir de dentro com os demais em Jesus. Só e assim realizará a sua vocação específica que, como se sabe, tem o seu fundamento institucional (não o metafísico, pois este é o amor do Deus-Amor) na ordenação presbiteral.9
Na verdade, se todo o batizado é, em virtude do próprio sacramento do batismo, um vocacionado à santidade, o ministro ordenado, em virtude deste novo sacramento da Ordem (que recebe por mediação da Igreja que o aceita como tendo o que é preciso para cumprir as missões inerentes ao mesmo) é chamado a trabalhar na obra da sua santificação a tempo pleno. Não comparativamente em termos quantitativos face aos demais fiéis, mas, isso sim, qualitativos. E isto, seja a nível da consciência aguda desse egrégio encargo, seja da sua concretização mais focada, dado que
«é certo que o carisma da vocação sacerdotal, ordenada(o) ao culto divino e ao serviço religioso e pastoral do Povo de Deus, se distingue do carisma que leva à escolha do celibato como estado de vida consagrada (cf. n.os 5 e 7); mas a vocação sacerdotal, ainda que divina na sua inspiração, não se torna definitiva e operante sem o exame e a aceitação de quem possui na Igreja o poder e a responsabilidade do ministério ao serviço da comunidade eclesial; e pertence, por conseguinte, à autoridade da Igreja estabelecer, segundo os tempos e os lugares, quais devam ser em concreto os homens e quais os requisitos exigidos para que possam considerar-se aptos para o serviço religioso e pastoral da mesma Igreja».10
Enquanto resposta pessoal específica à vocação divina à santidade no amor, Paulo VI aduz que
«o sacerdócio é ministério instituído por Cristo para serviço do seu Corpo Místico que é a Igreja. A esta compete admitir os que julgar aptos, isto é, aqueles a quem Deus concedeu o carisma do celibato juntamente com os outros sinais de vocação eclesiástica (cf. n.º 15). Em virtude deste carisma corroborado pela lei canónica, o homem é chamado a responder com decisão livre e entrega total, subordinando o próprio eu ao beneplácito divino que o chama. Em concreto a vocação divina manifesta-se num indivíduo determinado, dotado de estrutura pessoal própria que a graça não costuma violentar. Por isso, no candidato ao sacerdócio, há de cultivar-se o sentido da recetividade do dom divino, e da disponibilidade nas relações com Deus, dando essencial importância aos meios sobrenaturais».11
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1 Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis. AAS 84 (1992): 657-804.
2 Paulo VI, nº 24
3 II Concílio do Vaticano, Decreto Presbyterorum ordinis. AAS 57 (57 (1965): 5-23.
4 II Concílio do Vaticano, n.º 12.
5 João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis, n.º 5.
6 João Paulo II, n.º 5.
7 João Paulo II, nº 15.
8 João Paulo II, nº 20.
9 Cf. João Paulo II, nº20.
10 Paulo VI, Carta Encíclica Sacerdotalis caelibatus, n.º 15.
11 Paulo VI, nº62.