Sexta-feira Santa
EU ESTAVA LÁ
Era fácil de mais falar de um homem
com seus trinta e sete anos, nazareno,1
bom, amigo dos pobres e doentes,2
contra quem os poderes se entenderam
e o seu povo, instigado, pediu morte.
Era fácil dizer que fora preso
do outro lado do Cédron, no Getsémani;
que o processo correu pelas mãos de Anás
e Caifás, ambos sumos-sacerdotes,3
e chegou ao pretório de Pilatos.4
Era fácil dizer: Judas traiu-o,5
Pedro disse que nunca o tinha visto,6
e Pilatos, não tendo muito embora
encontrado em Jesus causa de crime,
o entregou para ser crucificado.7
Era fácil dizer que o tribunal
se encontrava no sítio do Lajedo,
“Gabbathá” em hebraico8; e o Nazareno
carregou com a cruz para o lugar
da Caveira, em hebraico dito “Gólgota”.9
Era fácil dizer que tudo isto
sucedeu muito longe, há dois mil anos,
ou culpar os Judeus por essa morte.
Hoje, tarde de Sexta-feira Santa,
fiz de turba na igreja e gritei alto:
“Não o soltes! Queremos Barrabás!10
A Jesus, crucifica-o! Crucifica-o!”11
Estava lá e ouvi Jesus gritar
“Tenho sede” e não fui dessedentá-lo;12
e “Meu Deus, porque é que me abandonaste?”13
e não disse: “Coragem! Não estás só.
Eu, teu Pai e tua mãe estamos aqui”
nem lhe dei o meu ombro para ele
saber que és Deus-connosco, ao dizer “Pai,
nas tuas mãos eu entrego o meu espírito.”14
Era fácil dizer. Mas eu não disse.
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1Lc 3,23. 2Mc 1.32-34; At 10,38. 3Jo 18,1-14. 4Jo 18,28. 5Mt 26,14-16.47-50. 6Jo 13,36-38;18,15-18.25-27; Mc 17,66-72. 7Jo 19,13-16. 8Jo 19,13. 9Jo 19,17. 10Jo 18,40. 11Jo 19,6. 12Jo 19,28. 13Sl 22,2; Mc 15,34. 14Lc 23,45.
às três da tarde
Mateus 27,51-54; Marcos 15,33-41
O véu do templo rasgou-se em dois, de alto abaixo.
– E eu continuo com áreas interditas ou reservadas,
preso ao passado, ao culto antigo e ao mistério.
A terra tremeu e as rochas fenderam-se.
– E eu, empedernido, imperturbável,
indiferente, insensível aos sinais da natureza.
Os túmulos abriram-se, e muitos santos saíram vivos.
– E eu, nem rebento com a lousa do meu túmulo caiado,
nem saio a proclamar a ressurreição com a vida.
O centurião e os guardas disseram-no Filho de Deus.
– E eu, dois mil anos depois, continuo relutante,
querendo mantê-Lo nos limites de um homem bom.
Muitas mulheres, que O seguiram, observavam de longe.
– E eu, além de O não seguir como discípulo,
mantenho-me longe onde não tenha de ver para crer.
A natureza fez luto de trevas do meio-dia às três.
– E eu, nem à noite me dispo do meu respeito humano
para falar com Ele, como fez o mestre Nicodemos.
Às três da tarde, Jesus gritou como crente em angústia.
– E eu, nem então me aproximo sem este nó na garganta,
ao menos para agradecer o feriado de Sexta-feira Santa.
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ÁRVORE DA CRUZ
Árvore da Cruz
de Sexta-Feira Santa,
despojada do teu melhor fruto:
sem o Cristo,
que de ti foi colhido,
é por nós que tu esperas.
Esperas
que, meditando na paixão de Jesus,
acreditemos que, em ti, por Ele fomos salvos.
Esperas
que, aceitando ser discípulos do Crucificado,
tomemos a nossa cruz e o sigamos cada dia.
Esperas
que, sabendo que a cruz é sinal mais,
não rejeitemos as que a vida nos oferece.
Esperas
que, não tendo todos as mesmas forças,
ajudemos cada um a levar a sua cruz.
Esperas
que, não sendo a cruz um bem em si mesma,
descrucifiquemos os que mais sofrem.
Esperas
que, tendo já cada um a sua cruz,
não sobrecarreguemos ninguém com a nossa.
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SINAL DE VITÓRIA
Senhor Jesus Cristo, aceito a minha cruz.
Ajuda-me a abraçá-la como Tu a abraçaste,
e a levá-la como Tu a levaste por mim,
para nela morrer e dela ressuscitar contigo.
Sei que a minha vida passa por ela, como a tua,
a caminho da Ressurreição: pois no seio da morte,
como em útero virgem, Tu lançaste
nova semente de Luz e Vida para sempre.
Por isso, mesmo em Sexta-Feira Santa,
já posso cantar vitória: Aleluia!
Louvor e glória a Ti, Jesus Cristo Senhor,
que pela cruz remiste a morte e a dor!
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