Durante a Semana Santa, que teve início neste DOMINGO DE RAMOS, dia 2 de abril, iremos propor uma sequência de poemas de Lopes Morgado para reflexão e compromisso, unindo a Vida, a Bíblia e a Liturgia.
«POR TI MESMO»
Mateus 16,13-16
I
Muita coisa de Ti me disseram,
como quem Te soubesse por inteiro:
Servo, Redentor, Messias, Rei, Profeta, Salvador,
Filho de Deus, Cristo, Filho de Maria, Jesus, Mestre,
Amigo, Senhor, Deus de Deus, Luz da Luz, Irmão,
Gerado, não criado, consubstancial ao Pai, Arquétipo
da Criação, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Ouvi-o em catequeses, lições de filosofia e teologia,
exegeses de sagrada escritura, estudos de patrística,
traduções de herméticos dogmas, conceitos e códigos
para linguagem comum do povo, oratória sagrada,
moderna linguagem audiovisual e dinâmica.
Repeti-o em jogos, poemas, artigos, livros, homilias,
autos, fotos, sermões, programas de rádio, cursos,
retiros, aulas, tempos de televisão, conferências,
conselhos, testemunhos, momentos de escuta,
de partilha e de silêncio, contemplação e canto...
… para no fim me perguntares de novo:
«E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Como quem diz: E tu, por ti mesmo –
o que sentes, pensas e vives a meu respeito?
Quase como a Pilatos: «Dizes isso por ti mesmo,
ou porque outros to disseram de mim?»
II
Que diferença entre aprender e fazer,
existir e viver, conhecer e aceitar,
dar e receber, pregar e praticar,
ver e crer, contemplar e testemunhar!
A velha questão:
há o saber e o ser.
E o presumir que se é,
só porque se diz, ou faz, ou sabe.
III
Só sabemos
o que nos ficou na memória
depois de termos esquecido
o que aprendemos – diz-se.
De Jesus Cristo – digo eu –
só sabemos
aquilo que (re)vivemos
como discípulos.
IV
Volto ao desafio da tua pergunta,
dando um título a estas páginas:
em minha memória.
És Tu esta memória (a frase é tua),
seguidor incansável dos meus passos,
que me antecedes como quem procura.
E sou eu, que te lembro ou torno de novo presente
ao (re)ler a tua Palavra, celebrar a tua Páscoa,
evocar hoje a tua vida, como proposta.
Aceito responder-te, abrindo o álbum da intimidade
onde guardo a brisa da tua voz e a marca indelével
dos teus passos, desde aquele fim de tarde no Éden.
Quero dizer(-Te), apenas, o perfume
que em mim ficou de Ti, ao escutar-me por dentro,
sem buscar provas documentais dessa memória.
V
Direi como quem sabe de ternura,
escutando na pergunta a voz amada.
Direi como quem sabe de amargura.
Direi como quem sabe de passado
e nele encontra o modo do presente.
Direi como quem sabe de futuro.
Direi como quem sabe de esperança
e nela colhe as flores da promessa.
Direi como quem sabe de certeza.
Direi como quem pensa, quer e vive,
ou quem de novo sonha o já vivido.
Direi como quem lê, como quem reza.
Direi como quem grita boas-novas
ou diz aos malmequeres: “bem-Te-quero”.
Direi como quem ama: com verdade.
Direi como quem sorve, quase em êxtase,
o mel que nos meus favos fabricaste.
Direi, abelha-mestra dos meus dias:
VI
Tu és o que eu, sem Ti, nunca seria,
pois tudo o que hoje sou ficou marcado
por todos esses passos que, em teu Nome,
fizeram meu caminho aquém-das-águas.
Tu és Aquele em quem eu me revejo,
a cuja luz revejo toda a vida:
notícias e projetos e valores
e sonhos, deceções, desesperanças.
Tu és a referência do passado
que nunca teve data sem que nela
tivesses um lugar central: ou quando
obscuras profecias vislumbravam
um filho, herdeiro, rei, rebento, servo,
messias, redentor, filho de homem;
ou quando, mesmo às portas da tua vinda,
o arauto abria sendas no deserto;
ou quando, enfim, à luz da tua páscoa,
apóstolos, os quatro evangelistas
e Paulo descobriram que já eras
o Filho de Deus vivo… desde a infância!
Aí não tenho dúvidas: por muito
que os modos de falar e de escrever
de então não sejam hoje os nossos modos;
por muito que mudemos e moldemos
a escrita na cultura, dando à fala
os sons da vida toda – foi na Páscoa
que tudo renasceu e hoje renasce,
pois passas cada dia em minha vida.
* * * * *
Quarta-feira Santa
para este dia, oferecemos:
» O seder pascal judaico e como preparar a sua realização em jeito de catequese numa celebração cristã sobre a Eucaristia.
» Caderno para essa celebração, com o texto, os cânticos e as partituras correspondentes.
» Ligação para ver essa realização no Centro Bíblico dos Capuchinhos, em Fátima
* * * * *
Quinta-feira Santa
PÁSCOA-MEMORIAL
Êxodo 12,14; 1 Coríntios 11,23-26
Houve ali tradição: era de Páscoa
o jantar com os teus. Eras seu Mestre.
Mas o amor foi maior, e a novidade,
pois um Novo nascia do Primeiro.
Era o tempo e o modo da Aliança–
–Testamento, assinada no teu Sangue
para ser derramado, e no teu Corpo
todo entregue em festim na Eucaristia
até vires de novo. Hoje vimos
celebrar em memória da tua Páscoa.
E queremos não tanto recordá-lo
mas vivê-lo na entrega que nos pedes
e adiamos. De amor imensurável,
foi teu gesto. Uma vez, e foi bastante:
dessa fonte é que mana, ainda hoje,
nossa vida; e nós, nem assim te damos
o que somos! Por isso repetimos
tantas vezes o mesmo sacrifício
que só Tu, na verdade, suportaste.
Em memória de ti seria, hoje,
suar sangue e sofrer como sofreste,
ó Cordeiro pascal. E nós passamos
(passo eu) toda a vida recordando,
sem sair do presente, sem que o hoje
enraíze um futuro no passado,
em que seja a passagem não um porto
mas a ponte que ligue à Nova Terra
só no fim alcançada. Eis a Páscoa
cada ano sonhada de lembrada,
mas no dia seguinte, como os sonhos,
bem depressa esquecida. Páscoa nova,
que em meu corpo e meu sangue és Aliança.
* * * * *
“FAZIA-SE NOITE”
João 13,30; Efésios 5,8-14
I
João evangelista não fala, como os Sinóticos,
da Eucaristia no decorrer da Ceia, antes da Páscoa.
Em Cafarnaum, Jesus prometera, com escândalo
de muitos, dar a sua carne a comer e o seu sangue
a beber; para o evangelista João, o logos-palavra
de Jesus, se prometida, era já palavra cumprida.
Mas, no seu texto da Ceia, bate o coração de Cristo
jovem, na sua entrega de amor extremo, quando
a Passagem certa é iminente, a morte se entretece
com palavras poucas, mas ternas e ardentes,
e o tempo é cumprido em gestos de despedida:
Ele, o Mestre, lava os pés aos discípulos-apóstolos,
testemunhando o serviço e o mandamento novo.
Ele, o Amigo, partilha com Judas o bocado de pão
molhado no prato, que na ceia se dava ao amigo,
e previne-o do risco evitável-urgente da entrega,
como quem sabe de tentações suportadas e vencidas.
«Tomando o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite» –
sublinha o evangelista João sobre Judas, em exclusivo.
Alusão à luta final entre os poderes das trevas e a luz
– dizem os biblistas entendidos, explicando o versículo.
«Esta é a vossa hora e o domínio das trevas» – diz-lhes
Jesus. A hora em que os filhos das trevas, mais astutos,
irão vencer os filhos da luz? Aparentemente.
II
Sabemos que, no princípio, «a Luz brilhou nas trevas,
mas as trevas não a receberam.» E que, no fim, a Luz
venceu as trevas do sepulcro, quando o mesmo Jesus,
que era a Luz, ressuscitou para sempre. «E as trevas
não lhe resistiram» – como diz João. Mas recordemos.
Jesus bem o dissera e prevenira, nas suas parábolas.
Agora... «Levantai-vos! Vamos! Já se aproxima aquele
que me vai entregar.» As trevas aproximam-se da Luz,
com archotes. À pergunta: «Quem buscais?» ficam cegas,
são derrubadas, quando a Luz responde: «Jesus sou eu.»
Judas perde-se na noite do desencanto, porque o Mestre
não dera luta aos soldados. Deus brilha de outro modo:
a sua luz não encandeia nem se impõe à visão: ilumina.
Os apóstolos, acobardados, fogem. Pedro tenta a espada,
mas cede junto da fogueira e da criada, sem luz própria.
O pescador da Galileia, que lançava as redes na escuridão,
agora perde o pé num copo de água cheio pelo seu medo.
Judas, um sicário, sucumbe num laço atado ao pescoço.
Mas de novo a Luz brilha nas trevas: o olhar do Mestre
ateia a cinza nos olhos de Pedro – que ardem e choram.
III
Fazia-se dia. Entre a Ascensão e o Pentecostes,
à luz da Páscoa, na mesma sala do Cenáculo,
Pedro preside ao grupo de crentes unidos em oração.
Fazem memória, tiram lição do passado para a vida.
Escolhido pelo Espírito, Matias substitui Judas suicida.
IV
Fica a noite vencida? A noite é feita pelo dia.
E há muitas outras noites pelos séculos fora,
como a sentinela esperando pela aurora:
noite da dúvida, noite da fé e dos sonhos perdidos,
noites à cabeceira do moribundo, noites de insónia,
noite dos sentidos, noite de Israel no Exílio velada
pelo profeta Isaías 42,18-25; 43,22-28; 50,1-3.
E a noite mística de S. João da Cruz, que resiste
como as virgens prudentes em vigília infindável,
“embora seja noite”. “E é de noite”, confessa.
É de noite quando os Apóstolos, sem o seu Mestre,
não pescam nada. É de noite em Agostinho de Hipona,
de escola em escola, de ser em ser, pelo roteiro das
criaturas, buscando Deus sem encontrá-lo: “Não sou
o teu Deus. Mas foi Ele quem me fez”, lhe dizem.
É de noite nos olhos e no espírito de Francisco de Assis,
em S. Damião e no Alverne, quando os Irmãos Menores
se afastam do primitivo amor de pobreza e humildade
segundo o Evangelho. E é de noite em Teresa de Ávila,
vinte anos rezando o Pai-Nosso a um Pai distante, calado.
É de noite no irmão Carlos de Foucauld: «Aridez e trevas;
tudo me é penoso. Mesmo dizer a Jesus que o amo.
Se ao menos eu sentisse que Jesus me ama! Mas Ele
nunca mo diz.» E é morto pelo jovem Sermi Aga Tora,
que lhe aponta a arma sem saber usá-la. Como Judas.
É de noite no ‘Diário’ de Teresa de Calcutá, por muitos
iliteratos da “noite escura” lido como a sua perda de fé.
E é de noite, embora a luz artificial, quando na cidade
as ruas se iluminam e avançam os crimes e deboches
voltando as costas ao Nascente e às nascentes, donde
podia vir-lhes o sentido. O mundo morre com saudades
de Deus dentro da noite, enquanto presume dispensá-Lo.
V
Noite propícia para um novo Génesis: “Faça-se a Luz!”
Noite acesa pelos anjos, cantando paz: “Nasceu Jesus!”
Noite-Mãe da Luz mais bela: “A Luz de Cristo!”
«Éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: procedei
como filhos da luz – em bondade, justiça e verdade.»
VI
«Luz esplendente da santa glória do Pai celeste,
imortal, Santo e glorioso Jesus Cristo!»,
cantamos nas Primeiras Vésperas, cada domingo –
o oitavo Dia que Deus fez, sem mais ocaso,
e é Sol de luz e vida, mesmo em dia escuro:
«Dissipais as trevas do universo
e iluminais o espírito do homem,
vencendo a noite com a luz da fé.»
* * * * *
Sexta-feira Santa
EU ESTAVA LÁ
Era fácil de mais falar de um homem
com seus trinta e sete anos, nazareno,1
bom, amigo dos pobres e doentes,2
contra quem os poderes se entenderam
e o seu povo, instigado, pediu morte.
Era fácil dizer que fora preso
do outro lado do Cédron, no Getsémani;
que o processo correu pelas mãos de Anás
e Caifás, ambos sumos-sacerdotes,3
e chegou ao pretório de Pilatos.4
Era fácil dizer: Judas traiu-o,5
Pedro disse que nunca o tinha visto,6
e Pilatos, não tendo muito embora
encontrado em Jesus causa de crime,
o entregou para ser crucificado.7
Era fácil dizer que o tribunal
se encontrava no sítio do Lajedo,
“Gabbathá” em hebraico8; e o Nazareno
carregou com a cruz para o lugar
da Caveira, em hebraico dito “Gólgota”.9
Era fácil dizer que tudo isto
sucedeu muito longe, há dois mil anos,
ou culpar os Judeus por essa morte.
Hoje, tarde de Sexta-feira Santa,
fiz de turba na igreja e gritei alto:
“Não o soltes! Queremos Barrabás!10
A Jesus, crucifica-o! Crucifica-o!”11
Estava lá e ouvi Jesus gritar
“Tenho sede” e não fui dessedentá-lo;12
e “Meu Deus, porque é que me abandonaste?”13
e não disse: “Coragem! Não estás só.
Eu, teu Pai e tua mãe estamos aqui”
nem lhe dei o meu ombro para ele
saber que és Deus-connosco, ao dizer “Pai,
nas tuas mãos eu entrego o meu espírito.”14
Era fácil dizer. Mas eu não disse.
______________________
1Lc 3,23. 2Mc 1.32-34; At 10,38. 3Jo 18,1-14. 4Jo 18,28. 5Mt 26,14-16.47-50. 6Jo 13,36-38;18,15-18.25-27; Mc 17,66-72. 7Jo 19,13-16. 8Jo 19,13. 9Jo 19,17. 10Jo 18,40. 11Jo 19,6. 12Jo 19,28. 13Sl 22,2; Mc 15,34. 14Lc 23,45.
às três da tarde
Mateus 27,51-54; Marcos 15,33-41
O véu do templo rasgou-se em dois, de alto abaixo.
– E eu continuo com áreas interditas ou reservadas,
preso ao passado, ao culto antigo e ao mistério.
A terra tremeu e as rochas fenderam-se.
– E eu, empedernido, imperturbável,
indiferente, insensível aos sinais da natureza.
Os túmulos abriram-se, e muitos santos saíram vivos.
– E eu, nem rebento com a lousa do meu túmulo caiado,
nem saio a proclamar a ressurreição com a vida.
O centurião e os guardas disseram-no Filho de Deus.
– E eu, dois mil anos depois, continuo relutante,
querendo mantê-Lo nos limites de um homem bom.
Muitas mulheres, que O seguiram, observavam de longe.
– E eu, além de O não seguir como discípulo,
mantenho-me longe onde não tenha de ver para crer.
A natureza fez luto de trevas do meio-dia às três.
– E eu, nem à noite me dispo do meu respeito humano
para falar com Ele, como fez o mestre Nicodemos.
Às três da tarde, Jesus gritou como crente em angústia.
– E eu, nem então me aproximo sem este nó na garganta,
ao menos para agradecer o feriado de Sexta-feira Santa.
* * * * *
ÁRVORE DA CRUZ
Árvore da Cruz
de Sexta-Feira Santa,
despojada do teu melhor fruto:
sem o Cristo,
que de ti foi colhido,
é por nós que tu esperas.
Esperas
que, meditando na paixão de Jesus,
acreditemos que, em ti, por Ele fomos salvos.
Esperas
que, aceitando ser discípulos do Crucificado,
tomemos a nossa cruz e o sigamos cada dia.
Esperas
que, sabendo que a cruz é sinal mais,
não rejeitemos as que a vida nos oferece.
Esperas
que, não tendo todos as mesmas forças,
ajudemos cada um a levar a sua cruz.
Esperas
que, não sendo a cruz um bem em si mesma,
descrucifiquemos os que mais sofrem.
Esperas
que, tendo já cada um a sua cruz,
não sobrecarreguemos ninguém com a nossa.
* * * * *
SINAL DE VITÓRIA
Senhor Jesus Cristo, aceito a minha cruz.
Ajuda-me a abraçá-la como Tu a abraçaste,
e a levá-la como Tu a levaste por mim,
para nela morrer e dela ressuscitar contigo.
Sei que a minha vida passa por ela, como a tua,
a caminho da Ressurreição: pois no seio da morte,
como em útero virgem, Tu lançaste
nova semente de Luz e Vida para sempre.
Por isso, mesmo em Sexta-Feira Santa,
já posso cantar vitória: Aleluia!
Louvor e glória a Ti, Jesus Cristo Senhor,
que pela cruz remiste a morte e a dor!
* * * * *
Sábado Santo
MARIA, SUA MÃE
João 19,25-27
Senhora de Sexta-Feira das trevas
e de Sábado Santo sem Liturgia,
Maria do Calvário, junto à cruz,
no momento da morte de Jesus,
a mais santa e mais forte
entre as santas mulheres do Evangelho.
Senhora do Filho único,
Mãe e Discípula de teu filho,
Nossa Senhora dos Passos,
Senhora da Piedade sem Jesus nos braços,
Senhora do colo vazio, das mãos vazias,
Virgem-Mãe-Viúva, Santa Maria.
Ó Mãe da nossa Fé,
Mãe Dolorosa,
Nossa Senhora da Soledade,
Mulher e Mãe da Humanidade,
Senhora da Paixão e da Páscoa,
Senhora da Consolação.
Senhora do Silêncio e da Esperança,
Casa de Ouro, a que furtaram o tesouro,
Arca da nova e eterna Aliança,
Mãe-Igreja em vigília até que a madrugada
Venha despertar o novo Sol do Oitavo Dia
para regressarmos ao canto do Aleluia!
* * * * *
O SENHOR VAI PASSAR
Êxodo 12,23
Tirem os tropeços do caminho
e junquem o chão com verdes e flores
– porque o Senhor vai passar.
Juntem os alimentos armazenados
e deem um banquete aos peregrinos
– porque o Senhor vai passar.
Purifiquem-se da violência e da impiedade
e perfumem-se com a paz e a misericórdia
– porque o Senhor vai passar.
Ergam a vossa tenda no provisório
e calcem o vento inquieto do futuro
– porque o Senhor vai passar.
Cinjam a vida com a verdade e a justiça
e firmem-se no cajado da providência
– porque o Senhor vai passar.
Descubram a cabeça nesta noite
e deixem-se coroar pelas estrelas
– porque o Senhor vai passar.
Confiem o vosso rumo à luz do fogo
e as fomes e sedes ao cuidado do Espírito
– porque o Senhor vai passar.
Marquem a fronte com o tau dos eleitos
e tinjam as portas com sangue do Cordeiro
– porque o Senhor vai passar.
* * * * *
Vigília Pascal
VIGÍLIA PASCAL
Êxodo 1-13; Marcos 14-16
I
depois da morte de José e dos meninos hebreus,
da palha e do barro para os tijolos,
da resistência dos oprimidos e do chicote dos capatazes,
da fuga de Moisés e da interpelação na sarça ardente,
da consciência dos chefes e da conscientização do povo,
do diálogo de Aarão e Moisés e da contumácia do faraó,
do trabalho forçado e do engodo da carne e das cebolas,
do delírio das insónias e do lenitivo das ervas amargas,
da água do rio e do sangue dos escravos,
da travessia extraordinária do Mar Vermelho...
o Fogo e a Luz,
a Palavra e a Água,
o Pão e o Vinho,
o Cordeiro e o Povo,
a História e a Festa,
a Promessa e a Vida.
II
do Fogo – a LUZ que separa e alumia.
do Livro – a PALAVRA que é espírito e vida.
da Fonte – a ÁGUA que purifica e recria.
da Mesa – o PÃO que rememora, alimenta e configura.
do Cálice – o VINHO que é banquete e sacrifício.
da Cruz – o CORDEIRO que dá vida e passagem ao futuro.
do Povo – a PROMESSA cumprida, a Vida nova.
III
A LUZ e o FOGO assinalam,
orientam, guiam e purificam.
A PALAVRA anuncia, realiza,
proclama e atualiza.
A ÁGUA divide e une, inunda e rega,
afoga e regenera, lava e recria.
O PÃO alimenta e presencializa,
é memória e corpo, entrega e partilha.
O VINHO sangra e dessedenta, espuma e alegra,
é colheita e semente, bebida e sacramento.
O CORDEIRO bale e emudece, é inocência e martírio,
sinal de pertença e proteção, refeição e resgate.
O POVO em susto entra no leito do mar da morte
e renasce pela água e pelo Espírito.
IV
O LUME NOVO do Círio pascal
indica o rumo «das trevas para a Luz» (1 Pe 2,9),
simbolizando Cristo crucificado e ressuscitado,
Princípio e Fim de todas as coisas.
A HISTÓRIA DA SALVAÇÃO
evoca as intervenções de Deus, na origem
dos céus e da terra, a partir do abismo informe e vazio;
da fé de Abraão, a partir da confiança na promessa;
da liberdade dos hebreus, a partir da opressão no Egipto;
da ressurreição de Jesus, a partir da sua paixão e morte;
da vida e da graça, a partir da morte e do pecado;
de um novo povo e uma nova aliança,
a partir de um coração de pedra e uma lei sem espírito...
e atualiza-se hoje
na libertação ou independência dos subjugados,
na reivindicação dos sem-terra nem vida em qualidade,
na consciência organizada dos explorados,
na diáspora dos mal-amados pelos seus governantes,
no reencontro dos perdidos de Deus e de si mesmos,
na esperança dos descrentes no poder e no saber,
na saída transcendente para as situações-limite.
A NOVA E ETERNA ALIANÇA é celebrada
no Corpo e no Sangue de Cristo ressuscitado –
novo Moisés que, ao erguer-se glorioso do túmulo,
transformou os escravos do pecado em filhos de Deus;
novo Cordeiro que deu a vida pelo rebanho,
e novo Pastor que o conduz às fontes batismais da Vida.
V
PÁSCOA: Festa de uma Nova Criação,
primeiro Dia de todos os recomeços,
Lua cheia de todas as Primaveras.
PÁSCOA: Festa de uma Vida renascida,
Berço do nascimento de um Homem novo,
Salvação de um Povo a quem não basta a liberdade.
PÁSCOA: Festa de uma Nova Aliança de Amor,
Encontro definitivo de Deus com a humanidade,
Fim de longos exílios, Início de novos idílios.
VI
Quando no princípio Deus criou os céus e a terra.
Quando os filhos de Israel se puseram em marcha.
Quando O Crucificado e morto – ressuscitou!
VII
Apesar do caos informe e do vazio.
Para além de todas as violências.
Muito embora todas as fraquezas.
* * * * *
Domingo de Páscoa
ESTE É O DIA
Salmo 118,24
Este é o dia que o Senhor fez,
matriz dos dias que nós fazemos.
Este é o dia que o Senhor fez,
para fazermos da noite dia.
Este é o dia que o Senhor fez,
para de novo tudo fazermos.
Este é o dia que o Senhor fez,
para que o feito nós contemplemos.
Este é o dia que o Senhor fez,
para contarmos um tempo novo.
Este é o dia que o Senhor fez,
Primeiro dia dos outros dias.
Este é o dia que o Senhor fez,
dia de festa, dia de todos.
Este é o dia que o Senhor fez,
Oitavo dia, Dia infinito.
Este é o dia que o Senhor fez,
porta de entrada na eternidade.
Este é o dia que o Senhor fez,
Dia dos dias em que nós somos.
Este é o dia que o Senhor fez,
– manhã e tarde – sempre sol alto.
Este é o dia que o Senhor fez,
como relógio do homem novo.
Este é o dia que o Senhor fez,
em que os prodígios marcam as horas.
Este é o dia que o Senhor fez,
quando era a noite maior que o dia.
Este é o dia que o Senhor fez,
fora dos dias do calendário.
Este é o dia que o Senhor faz,
quando lhe damos o nosso dia.
Este é o Dia do Senhor.
Este é o senhor dos dias.
* * * * *
“VI O SENHOR!”
João 20,18
A gente quer ouvir a quem lhe fale
de Cristo como quem O viu, não como
aqueles que só dizem o que leram.
Pois só quem O contempla sabe dele.*
Ajuda, Madalena, tu que foste
Apóstola de Apóstolos, que O viste
primeiro que ninguém e, só com vê-lo,
de amor acreditaste, sem pedires
tocá-lo para crer, como Tomé.
Ensina-me a buscá-lo, manhã cedo,
com pranto, com perfumes e depressa,
levado pelo ardente e desmedido
amor de não viver sem Ele vivo.
Diz-me onde perguntar, e a quem, por Ele
apenas com o olhar, aos mais suspeitos
sinais da sua face, nem que seja
algum profanador de sepulturas
envolto no saial de jardineiro.
Instrui-me na fragrância do seu rosto,
na cor da sua voz, no jeito de Ele
chamar-me pelo timbre do meu nome,
a fim de, como tu, dizer: Rabbuni!
Dá-me esse jeito simples de aceitá-lo
com suas preferências e projetos
na hora da partida para o Pai;
pois basta que Ele dê por mim, me chame,
pergunte pela fonte do meu pranto,
Maria Madalena. Depois, dá-me
coragem tão serena como a tua,
mas firme como a rocha da amizade,
e fiel para gritar aos hesitantes
em crer ou procurar: Vi o Senhor!
Sabendo que, apesar de O proclamarmos,
não hão de resistir em confrontá-lo
com suas próprias fontes, presumindo
ter dele, sem O verem, mais certeza.
Bem hajas, Madalena, porque amaste
e foi no muito amar que descobriste
Aquele que é o Amor, e cuja prova
mais viva são aqueles que se amam.
* João Paulo II, Novo Millennio Ineunte, 16.
* * * * *
VIU E COMEÇOU A CRER
João 20,8
Explica-me, João: o que viu ele
(ou tu), que deu raiz à sua crença?
E explica-me, depois, de quem falava
Jesus, quando a Tomé disse: «Felizes
aqueles que, sem verem, acreditam.»
A ti é que Ele, então, se referia?
Mas, que se via ali? Via-se, apenas,
que o Cristo sepultado já não estava
envolto no lençol, nem no sudário,
nem dentro do sepulcro; estando, ao lado,
os panos e o sudário (como se Ele
ainda lá estivesse, mas sem corpo)
abertos e suspensos como um túnel
por onde Ele tivesse (pelo Espírito
levado) feito a sua travessia
da morte para a vida... enquanto os guardas
velavam a ilusão dos seus sentidos.
Porém, não foi a ausência do seu corpo
que fez o mundo ver que Ele vivia.
Foi, antes, esse Espírito presente
na vida dos que vistes a sua morte,
com medo vos juntastes no Cenáculo
chorando; e, com a força do seu Fogo,
saindo, enfrentáveis os tiranos,
a todos proclamando: «O Nazareno,
a quem crucificastes e matastes,
está vivo! Apareceu a Madalena,
e a dois que regressavam para casa,
e a Pedro, e a Tiago, e a nós todos,
a Pedro e aos Zebedeus junto do lago,
e a mais outros quinhentos, e a Saulo
na Estrada de Damasco! Saibam todos:
Jesus, o Nazareno, é o Messias
de sempre prometido e enviado.
O Pai, ao libertá-lo do sepulcro,
garante: Jesus Cristo é o Senhor!»
Eu vi estes apóstolos sem medo
viverem e enfrentarem os poderes
da morte. Vi os mártires de todos
os séculos da Igreja. E também creio!
* * * * *
HALLEL
Salmo 118
DAI GRAÇAS AO SENHOR, PORQUE ELE É BOM:
fez tudo para nós; por nossa vida
fez-se homem em Jesus, e cada dia
conduz os nossos passos pelo Espírito.
A MÃO DO NOSSO DEUS FEZ MARAVILHAS
criando o céu e a terra, o ser humano,
a todos redimindo do pecado
e enchendo de seus dons todos os povos.
A PEDRA-FUNDAMENTO REJEITADA
pelos néscios construtores sobre areia,
tornou-se o alicerce imprescindível
de toda a vida humana com projeto.
QUE O DIGA TODA A CASA DO SEU POVO:
o Amor de Deus é o pão da nossa mesa.
Que o diga todo o Povo Peregrino:
o Amor de Deus é a Luz da nossa vida.
TENTARAM DERRUBAR A MINHA ESPERANÇA
no amor do meu Senhor: Ele amparou-me,
guardando-me na tenda do seu braço.
Ali canto vitória com os justos!
SENHOR, DAI-NOS A GRAÇA QUE NOS SALVA.
Que a vida seja próspera e feliz.
Vós sois o nosso Deus: nós Vos louvamos.
Fazei brilhar em nós a vossa luz.